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A função paterna e seu declínio - Um recorte de Freud a Lacan

  • 4 de abr. de 2019
  • 7 min de leitura

Atualizado: 14 de out. de 2019

Autor: Aline C A Rodrigues – Psicanalista/INPSI- Sorocaba

linecalmeida@yahoo.com.br

RESUMO

O presente artigo visa apresentar a função do pai na psicanálise numa revisão da literatura. Diante disso, desenvolve a ideia de alguns teóricos como Freud, Lacan entre outros sobre a figura do pai. O objetivo do artigo é discorrer sobre a figura do pai enquanto função simbólica na constituição subjetiva do sujeito. Encerra-se com a afirmação de que não é necessário a figura real do pai para que o sujeito constitua-se psiquicamente e o declínio na atualidade da figura do pai relaciona-se com a interiorização de um superego imperativo de gozo e não proibitório como em décadas passadas.


Palavras-chave: Complexo de Édipo, função paterna, metáfora paterna.

No início do século XIX, Freud começou a construir o conceito do que é um pai através de dois mitos: o de Édipo (de Sófocles) e o seu próprio: Totem e Tabu.

Em Moisés e o monoteísmo, Freud retorna ao pai da horda e define o pai como aquele que regula a instauração da lei e o acesso ao permitido e o veto ao proibido.


A criança ao nascer, em virtude do seu desamparo está sujeita aos cuidados de outro. Para que esse sujeito constitua-se e ingresse na cultura é necessária a presença desse Outro.


Esse Outro, que exercerá função materna introduzirá essa criança na linguagem. Geralmente quem ocupa esse lugar é a mãe nomeando seus apelos e suas sensações. Essa criança instala-se em significantes que esse Outro atribui a ela.

Meira (1996, p.90), tecendo um comentário sobre as ideias de Lacan, diz que, “no campo da linguagem, não se trata de um processo objetivo com relação ao ser humano, não se trata de uma simples maturação. Não nega a existência da maturação do organismo, mas inclui um sujeito que dá sentido ao ocorrido”.

A mãe não atende simplesmente as necessidades desse sujeito, ela também nomeia. Ela “dá” significado de frio, fome, dor ao choro ouvido. É um caminho para chegar ao simbólico que está se estruturando.

Folberg (p.93) aponta que “a percepção que a criança tem do próprio corpo como uma unidade é uma experiência que evolui desde percepções vagas, mas que envolve um estado de autoerotismo para, em seguida, marcar a passagem ao narcisismo primário. A mãe, como “elemento-função”, faz essa passagem pela linguagem, transmissora de códigos e de significações oferecidas à criança.” Ela é o código por excelência. A imagem que a criança constrói de si mesma (urbild) é decorrente do espelho-mãe, oferecido pelo olhar, pelos gestos, pelo toque e por todas as traduções feitas a partir das demandas manifestadas pelo bebê e significadas pelo adulto-mãe.


É através do simbólico que o pai é inserido na vida do sujeito, a partir do momento que o pai “diz” que esse filho também é dele e não apenas da mãe. Esse é o primeiro momento onde pai faz a sua marca, a sua função. É através do significante Nome-do-pai que é possível interditar essa trama mãe-filho.


A primeira experiência do poder se dá na relação da criança com o pai. O pai, como representante da lei, diferencia os bons objetos dos maus, o que é permitido daquilo que é proibido e ao final do “Complexo de Édipo” interiorizará as proibições parentais, constituindo o superego.


No mito de Édipo, Freud faz dela o ponto nodal de um desejo incestuoso infantil e abandona a teoria da sedução. O Édipo freudiano nasce com a criança sendo atraída desde muito cedo pelo genitor de sexo oposto e com o pai ocupando um lugar central, o de introduzir o sujeito na castração.


Lacan (1999, p.171) afirma que “não existe a questão do Édipo quando não existe o pai, e, inversamente, falar do Édipo é introduzir como essencial a função do pai”.

Com Totem e Tabu, Freud ansiava por mostrar que a história individual de cada sujeito não é mais do que a repetição histórica da própria humanidade. A ideia central é a do pai todo poderoso, de puro gozo e fora da lei que possuía todas as fêmeas da horda. Esse pai não permitia que seus filhos gozassem dessas mulheres. Esses filhos uniram-se para matá-lo na ilusão de que assim teriam acesso a essas fêmeas. Com o assassinato viram-se barrados para sempre desse acesso, pois, se deram conta de que assim que um assumisse “o poder paterno” toda a luta recomeçaria.


Os dois mitos edípicos em Freud apresentam o papel do pai. Em Édipo Rei, o pai é aquele que impede o acesso do filho ao objeto de desejo representado pela mãe. Em Totem e Tabu, Freud transformou o desejo inconsciente de parricídio num fato real, necessário para permitir a passagem do estado de natureza para o de cultura.


Ambos mostram que o assassinato do pai nada resolve, o pai que assume função essencial no Édipo é o pai morto, único com o qual o filho pode vir a se identificar. Aqui já estão os ingredientes que levaram Lacan a transformar o pai em uma função.


O mito da horda primitiva de Totem e Tabu nos mostra que o pai tornou-se mais poderoso após a sua morte, por meio de uma obediência retrospectiva, aquilo que o pai lhes proibia anteriormente pela força bruta, o que explica que a essência da lei reside na vontade do pai morto.


Lacan afirma que o mito que Freud propõe ao homem moderno é este: o pai interdita o desejo justamente porque está morto. “Em vez do Deus morreu, tudo é permitido, desembocamos aqui em Deus morreu, nada mais é permitido” (KOLTAI, 2010).


Essa questão gera alguns paradoxos, Zizek (2009) aponta que o sujeito se ressente pelo fato de o Outro não existir e o culpa por isso. O que é uma nova versão da velha fórmula freudiana de que o Pai morto é ainda mais forte do que vivo.

Lacan abordou essa questão pela primeira vez em 1938 em seu texto “Os complexos familiares”, no qual falava do declínio da imago paterna, primeiro passo dado por ele no caminho de transformar o pai em uma função simbólica.

“O primeiro passo lacaniano foi distinguir a função patriarcal da função paterna, entendendo pela primeira a função do pai no social e pela segunda o lugar que o genitor ocupa entre a mãe e a criança, responsável pela instauração no aparelho psíquico da capacidade de substituição significante.” (KOLTAI, 2010).


Em Freud, o sujeito está em conflito consigo mesmo ocupado com os interditos da lei tendo internalizada a vigilância da lei e a culpa se transgredi-la. Em Lacan, a culpa é erigida pela "angústia de castração": para sair da infância e ser adulto, não há outra escolha a não ser confrontar-se com a interdição, experimentar o corte, a fim de diferenciar o pai imaginário, que a criança crê todo poderoso, e o pai simbólico, da encarnação da lei. Tornar-se adulto equivale à angústia de si que é inerente à liberdade do sujeito (EHRENBERG, 1998).


A falência da função paterna não tem nada a ver com uma carência da pessoa do pai, visto que o que está em jogo é a função significante do Nome do Pai, como limite ao gozo.


Novas famílias surgem e nem sempre a figura real do pai está presente, é necessário que alguém ou algo opere essa função, que instaure a Lei através do pai simbólico, tirando a mãe do seu lugar de falo imaginário e a criança desse lugar de assujeitamento a essa mãe.


Michel Tort (2001) nos diz que se o Pai está em declínio é porque representa uma função histórica e que, por isso mesmo, está deixando seu lugar para outra coisa.

A figura do Pai está presente em toda obra freudiana e desvela justamente a aptidão dos humanos para crer, sua credulidade e sua necessidade de dependência e submissão à autoridade, além da idealização de uma teoria que economize o pensar.


A primeira experiência do poder se dá na relação da criança com o pai, quem executa a função paterna distingue os objetos bons e maus e atos permitidos e proibidos, recompensando e castigando. Por ser aquele que traça os limites, é a própria encarnação da lei que a criança introjeta aos poucos, tornando-a sua.

Em “Discurso sobre a servidão voluntária”, La Boétie nos chama a atenção com o conceito de servidão voluntária – os humanos se tornam facilmente escravos por causa do fascínio que o Um exerce sobre eles.


O poder, em um primeiro momento é vivido em uma relação assimétrica, que se manifesta pela força de um lado e pelo consentimento do outro. Segundo Koltai (2010), esse consentimento pode acontecer tanto pela interiorização das normas e identificação quanto pelo medo.


A inscrição do Nome-do-pai é compatível com um ambiente com descrença em figuras de autoridade. A ausência desse processo é nomeada por Lacan de foraclusão e resultará em psicose.


Destaco que a falência da autoridade não possui uma relação direta de causalidade com a psicose; o dito declínio ou falência não autoriza qualquer previsão acerca da escolha da estrutura pelo sujeito. Como afirma Maleval (2007), "o declínio da autoridade não é o declínio do Nome-do-pai: as modificações da lei social não têm qualquer efeito sobre a lei do significante" (p.155).


Conforme Maleval (2007), apesar de não decidirem diretamente a estrutura, as mutações sociais sem dúvida impactam o modo como os fenômenos se apresentam nas diferentes estruturas. O enfraquecimento da adesão coletiva aos ideais leva o sujeito a uma errância e precariedade maiores, o que explica a prevalência de certas síndromes no momento atual.


BIBLIOGRAFIA

BARROS, F. O. O pai e sua função na Psicanálise. In: Do direito ao pai. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 93-105, v.2 (Coleção Escritos em Psicanálise e Direito)

EHRENBERG, A. (1998) La fatigue d’être soi. Paris: Odile Jacob.

FOLBERG, M. N. Declínio da função paterna e dialética da simbolização. Estilos da Clínica, São Paulo, SP, 2002.

FREUD, S. (1917). Conferência XXIII - Os caminhos da formação dos sintomas. In Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro, RJ: Imago, 1976.

KOLTAI, Caterina. Totem e Tabu: Um Mito Freudiano, São Paulo, SP: Civilização Brasileira, 2010.

LACAN, J. (1962-1963/2005). O seminário livro 10: A angústia. Rio de Janeiro: Zahar.

______ (1969-1970/1992). O seminário livro 17: O avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar.

______ (1957-1958/ 1999). O seminário livro 5: As formações do inconsciente. Rio de Janeiro: Zahar.

MALEVAL, J. C. (2007) Foraclusão. Opção lacaniana, 50. São Paulo: Eolia, p.153-156.

MEIRA, Y. M. (1996). As estruturas clínicas e a criança. Belo Horizonte, MG: A.S. Passos Editora.

TORT, Michel. O desejo frio: Procriação artificial e crise de referenciais simbólicos. Civilização Brasileira, São Paulo, SP, 2001.

ZIZEK, S. (2008) A visão em paralaxe. São Paulo, Boitempo.

 
 
 

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